domingo, 2 de março de 2014

Novo artigo para publicização e diálogo: DIREITO PENAL E ESCOLARIZAÇÃO DAS CLASSES POPULARES: REBATIMENTOS E ATRAVESSAMENTOS


 

DIREITO PENAL E ESCOLARIZAÇÃO DAS CLASSES POPULARES: REBATIMENTOS E ATRAVESSAMENTOS

 

Rodrigo Torquato da Silva – UFF / ALFAVELA-CNPq

 

O objetivo do presente artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa na qual se faz uma reflexão analítica acerca das interfaces existentes na relação entre os discursos-práticas norteadores do Direito Penal e os seus rebatimentos nas práticas-discursos pedagógicos desenvolvidas numa escola pública que atende, predominantemente, estudantes das classes populares[1]. 

            A pesquisa traz consigo uma relação com outros trabalhos do Grupo ALFAVELA, que atua em quatro municípios do Estado do Rio de Janeiro (Niterói, Angra dos Reis, Duque de Caxias e a favela da Rocinha, situada na Zona Sul da cidade “maravilhosa”), e foi realizada na Escola Municipal Diógenes Ribeiro de Mendonça, pertencente à Rede Municipal de Ensino de Niterói, que atende a estudantes que se encontram nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Esses estudantes compõem um quadro que apresenta uma certa especificidade: as suas comunidades de origem se encontram em uma região fronteiriça entre os municípios de Niterói e São Gonçalo, fato que apresenta peculiaridades nas situações e acontecimentos do cotidiano da escola.

O trabalho visou, além do objetivo de levantamento e análise dos dados, utilizar os recursos audiovisuais na intervenção das práticas escolares, através da implementação de um processo dialógico que teve como ponto de partida as leituras que os estudantes partícipes fazem de sua realidade, entendendo que a compreensão crítica gera-se na prática de participar e de refletir acerca da própria inserção no mundo.

 

BREVE RELATO DA EMPIRIA

 

A chegada na escola do projeto de pesquisa "Imagem, Som e Alfabetização" se deu em 2011. Em uma reunião pedagógica ordinária, nos turnos da manhã e da tarde, apresentamos aos professores, à equipe técnico-pedagógica e à Direção a síntese desse Projeto.

No início de 2012, já contemplados pelo edital FAPERJ, fizemos uma reunião para apresentar como se daria a operacionalidade do Projeto e como dialogaríamos com a rotina da escola. A nossa proposta, de certa forma, delineava-se cartesianamente em três movimentos: a) de um horário para estar regularmente com os estudantes (algo em torno de 3 horas) em um dia na semana, nos dois turnos; b) de uma sala que comportasse com qualidade os equipamentos, os estudantes e nós (pesquisadores e bolsistas, que na soma éramos nove – o coordenador, os dois bolsistas de treinamento e capacitação técnica – professores da escola, os dois bolsistas de iniciação científica, as três bolsistas "jovens talentos", vindas do Ensino Médio de uma escola parceira, e um jornalista – que esteve todo tempo como voluntário); e c) da parceria das professoras que apontariam 30 alunos (sendo 15 estudantes por turno), que apresentassem três tipos de “problemas” com os quais a escola admitisse não estar conseguindo lidar: 1- dificuldades de aprendizagem; 2- histórico de violência na escola; e 3- apatia.

Nosso objetivo inicial de trabalho com os estudantes era bem simples: exibir trechos de filmes e problematizá-los a partir da trocação de ideias[2]. A proposta era apresentar aos estudantes o universo do audiovisual tentar aproximá-los não somente de uma linguagem tecnológica de perspectiva crítica. Paralelamente à exibição dos filmes e após as conversas, conduzimos os processos sugerindo que os estudantes manuseassem os equipamentos disponíveis (câmeras, fones, microfones, tripés) e fossem se familiarizando com os primeiros códigos da linguagem tecnológica do audiovisual, como "focar/desfocar", "dar o zoom", "dar o rec", segurar a câmera e movimentá-la lentamente, montar e desmontar o tripé etc.

Foi possível perceber que os filmes que não abordavam diretamente temas atrelados ao dia a dia dos estudantes e que se passavam em contextos longe de suas realidades não eram capazes de mantê-los concentrados e, por consequência, potencializar as discussões em sala, por mais que provocássemos os debates. Por sua vez, os filmes que traziam como cenários as favelas, escolas públicas e nuances das tensões e dos códigos desses contextos (como, por exemplo, as disputas territoriais entre facções) eram mais potentes nesse sentido, com uma participação mais intensa dos estudantes que, com clareza e segurança, demonstravam verbalmente conhecimentos acerca dos assuntos tratados. A indagação mais intrigante que emergiu desse processo foi: quais são as matrizes que imprimem no estudante o estigma de que ele tem problemas para aprender?

 Uma constatação importante foi a de que os recursos audiovisuais entram como um detonador de múltiplas alternativas de processos subversivos aos silenciamentos e aos sistemas moedores de corpos inadaptáveis. Transformando a escola num espaço aglutinador dessas alternativas, eles desobstruem as artérias que ampliam os fluxos para outras expressividades possíveis, para além da necessidade de uso das habilidades de decodificação da língua escrita. Permitem, com isso, chegar ao que poderíamos denominar de registros imagéticos, ou seja, um conjunto de possibilidades imagético-discursivas das experiências vividas nos cotidianos e nos contextos de inserção socioculturais, bem como o registro-denúncia da dramaticidade existencial das crianças, por elas mesmas.

Através da pesquisa, a escola, como espaço de possibilidade de expressão audiovisual, permitiu aos estudantes tachados profeticamente como meninos que não têm jeito a “ajeitar-se” desajeitando o modelo de escola que os profetiza como aqueles que têm problemas de aprendizagem. Há, na operacionalização dos equipamentos, uma possibilidade de demonstração factual de que os “conteúdos” ensinados durante as “trocações” de ideias para os estudantes são convertidos, diante de todos, em ação-comprovação da capacidade que eles têm de aprender a fazer o que é ensinado.

A demonstração dada por cada um daquilo que apreendeu tanto na operacionalização dos equipamentos quanto no planejamento das filmagens desconstrói a profecia da escola. Todos podem se ver (e demonstrar isso ali) aprendendo-apreendendo os “conteúdos” complexos e sistematizados de elaboração dos roteiros de vários tipos. Mesmo aqueles que não dominavam a contento a habilidade de decodificação do código linguístico escrito, aprenderam a elaborar roteiros em modelos storyboard, a elaborar coletivamente o planejamento das sequências de filmagens externas, e, fundamentalmente, demonstraram sua capacidade criativa na construção das suas narrativas quando criaram seus próprios roteiros e planos de filmagens para as suas histórias de vida.

Ou seja, o alijamento que até ali predominou na relação com a escola passou a ser tensionado pela possibilidade de denúncia que o recurso audiovisual lhes oferecia. Suas culturas e “valores comunitários” construídos nas relações necessárias de solidariedade que o viver nas favelas impõe podem ser não somente elaborados e exibidos na escola, mas ressignificados e compreendidos por ela. A origem social dos estudantes bem como a dramaticidade das condições existenciais podiam então ser vistas e contempladas pelas filmagens das crianças, e, fundamentalmente, problematizadas e tematizadas como elemento curricular.

Isso permitiu sugerir um currículo-movimento-acontecimento com tematizações contextualizadas. Tal currículo pode envolver temas sobre as múltiplas infâncias que se encontram na escola, no bairro, no país, por exemplo. Compreendemos que as imagens registradas pelas próprias crianças nos seus contextos podem ser tensionadas com as que predominam no cinema, nas novelas e nos comerciais das infâncias propagadas como universais. O principal objetivo neste caso seria fazer com que a escola e as crianças compreendessem, indagassem e debatessem a complexidade da sociedade de classes em que estão inseridas e que não naturalizassem de forma fatalista os “fenômenos” econômicos e a crueldade social que as atinge diariamente.

Portanto, a ideia não era visar a um conjunto de conteúdos que as tornem “mais polidas” culturalmente. Ao contrário, o objetivo principal tornou-se fazer com que elas descobrissem o próprio potencial criativo e político e, ao utilizar as ferramentas do audiovisual, explodissem a “naturalização” da sua condição existencial dando outros sentidos à sua potência criativa.

Tudo isso veio a nos provocar em pensar numa pedagogia diferente. Quem sabe, ao invés de uma "pedagogia das artes", trabalharmos com a ideia de uma arte de pedagogias, no plural. Pedagogias estas que se apropriem dos acontecimentos detonadores não como elementos inviabilizadores dos processos pedagógicos, mas, em oposição a isso, utilizá-los como elementos potencializadores de problematização temática do currículo-movimento-acontecimento. Em vez de apontarmos os não-saberes escriturísticos formais, destacamos o espírito crítico dessas crianças, sua sensibilidade estética, a qualidade das suas análises de conjuntura local e, por fim, suas intuições políticas.

Entendemos que tais pedagogias precisam manter, como premissa e termômetro da sua potência, uma constante desconfiança da normalidade e das prescrições. É preciso pensar seriamente sobre o quanto uma pedagogia impositiva de um modelo civilizatório universalista, que visa ao enquadramento dos estudantes numa lógica comportamental e de pensamento distante das que estão disponíveis nos seus contextos, influencia na estigmatização da forma de estarem no mundo.

Para que possamos alcançar algum êxito na escolarização desses estudantes não podemos descartar a sua condição existencial. Nesse sentido, a relação tempo/aprendizagem está no centro da questão, visto que a escola impõe uma temporalidade de ensino-aprendizagem insuficiente ao que ela oferece de tempo-contexto de aprendizagem (aprender em um ano conceitos e lógicas de raciocínio às quais crianças de outras classes, as que se enquadram no modelo, estão expostas desde que nascem, nos seus meios).

            Um estudante que passa a maior parte do seu tempo interagindo com sociabilidades, linguagens, conceitos, nos espaços onde mora, considerados, pela escola, de menor valor, de baixo calão, criminalizados, está fadado não só ao fracasso escolar, mas à estigmatização. Assim, fica claro que o que temos é uma injustiça tanto social quanto cognitiva, na medida em que se quer atribuir ao estudante o seu fracasso escolar, sem levar em conta que a capacidade de apreender conteúdos, conceitos, etc, está diretamente ligada à oportunidade de estar inserido num meio que seja farto daquilo que é exigido pela escola.

Ou seja, exige-se que os estudantes pensem, compreendam a partir de um tipo de racionalidade imposta pela escola, sem considerar as ferramentas ou os instrumentos conceituais que eles trazem, que são frutos das suas interações e experiências no meio onde habitam, o que envolve discursos de classes, ideologias, conceitos, conteúdos, formalidades e informalidades para a execução de tarefas, além de violências cotidianas de policiais/milícias/traficantes. Pior que isso, encontramos uma clara transferência de discursos criminilizadores bastante comuns no universo do Direito Penal que pululam nos discursos pedagógicos usados como justificativas do fracasso escolar. Essa foi a motivação que me levou a tentar compreender a relação entre a expansão do Direito Penal e a escolarização das classes populares.

 

EXPANSÃO DO DIREITO PENAL

 

Após uma detida revisão bibliográfica é possível afirmar que a “fratura exposta” do Estado é o Direito Penal. Essa é a esfera jurídica onde o Estado consegue criar uma áurea mistificadora das relações de conflitos de classes, elementos fundantes da sociedade capitalista, e transformá-los em algo fatalista, mágico, místico, dado pela natureza ontológica humana. O Estado capitalista conseguiu criar uma ideia falsa de linearidade histórica do Direito Penal, principalmente no que tange ao Direito Penal brasileiro. Partindo de sua origem europeia e do seu principal propósito, atender aos interesses da burguesia, o Direito Penal foi criado para ser um sistema de mediação política (e também pedagógica) para lidar com os conflitos oriundos da Revolução Francesa.    

Aqui no Brasil, passamos por um processo, denominado por alguns estudiosos, de Colonialidade do Poder e do Saber[3] (MIGNOLO, 2005; QUIJANO, 2005), no qual fomos marcados a ferro e fogo pela colonização eurocêntrica. Somos, hoje, no que tange à justiça criminal, o reflexo disso somado às recentes reformas neoliberais tanto no Direito Penal quanto na Política Criminal.

Para o diálogo que nos interessa fazer entre o Direito Penal e a Educação Pública das classes populares, fundamentalmente no que diz respeito à tese de fundo aqui defendida, faz-se mister, à guisa de reflexão, discutir um pouco acerca do processo e a lógica que levou à criação da Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.072/90.

Temos aí, um marco, o início de um processo que instaura não somente a manutenção de antigas crenças, mas, sobretudo, a criação de novas crenças, tais como as de que a expansão e o recrudescimento do Direito Penal traz progresso para a sociedade. O resultado prático de tais ideias consubstancia-se nos infindáveis processos penais que resultam no esgotamento do sistema carcerário que, de alguma forma, traz à tona um paradoxo, visto que implode a premissa fundante do Direito Penal que é a promessa da ressocialização do cidadão-infrator.  

Uma consequência disso foi a criação de um “contrassistema” penal, dentro das inúmeras e superlotadas carceragens do país, que não apenas desafia o Direito Penal, mas, fundamentalmente, o próprio Estado Brasileiro.  Também coloca em xeque a segurança e o conforto da burguesia brasileira, que o criou e o mantém através dos seus aparelhos de pressão política e de controle da opinião pública. 

No que se refere ao progresso esperado, promessa central do Estado Moderno em todos os campos – educacional, social, econômico, político, jurídico, etc. – o Direito Penal não contribuiu em nada que desse motivo de festejos para as classes populares, quiçá para a sociedade brasileira. Longe disso, o que vivenciamos no cotidiano é um sistema de opressão forte para com os mais precarizados, os alijados do próprio sistema capitalistas. Isso nos induz a pensar novamente no paradoxo sugerido acima: o de que o sistema penal, à medida que se expande, caminha para sua autodestruição, pois, enquanto eficácia sistêmica, não é autorrealizável. Isso deixa claro que o Direito Penal, como possibilidade de normatização socializadora e justiça social, não é sinônimo de eficiência, quiçá eficácia, como nos quer fazer crer os discursos conservadores. O que temos aí é, em vez de justiça social, controle para a manutenção da ordem vigente, leia-se, manutenção do status quo.

De acordo com Juarez Cirino:

 

A prisão é o aparelho disciplinar exaustivo da sociedade capitalista, constituído para exercício do poder de punir mediante de privação de liberdade, em que o tempo exprime a relação crime/punição: o tempo é o critério geral e abstrato do valor da mercadoria na economia, assim como a medida de retribuição equivalente do crime do Direito. Portanto, esse dispositivo do poder disciplinar funciona como aparelho jurídico econômico, que cobra a dívida do crime em tempo de liberdade suprimida, e como aparelho técnico disciplinar, programado para realizar a transformação individual do condenado. (SANTOS, 2010)   

 

 

Como foi exposto, o Direito Penal nasce como instrumento legal de limitação e controle visando à manutenção dos privilégios e a permanência das prerrogativas do status quo.  Por isso, não é contrário à sua natureza que ele se transforme ou se transmute em direito bélico, focado na segurança pública dos bens e das riquezas privadas. Em vez de Estado Democrático de Direito, focado na educação-formação humana das gerações futuras, temos um estado de garantias dos privilégios, logo, das desigualdades socioeconômicas e, consequentemente, das injustiças sociais e cognitivas.

Direcionando para a problematização e aprofundamento do tema, voltemos à Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.072/90. Esta Lei, ou mesmo o sistema penal, não define conceitualmente, principalmente no que diz respeito à adjetivação, o que são ou como definiremos aqueles que cometem tais crimes. Se a Lei não os definem claramente, a cargo de quem ficam as construções discursivas que adjetivam tais criminosos? À mídia, qualificando-os de repugnantes, perversos, desumanos? Ao senso comum, denominando-os de bandidos porcos, sanguinários, X-9, alemão? 

Vemos uma fenda aberta para a “liberdade” de criação de constructos discursivos[4], aqueles verbetes que qualificam, requalificam e desqualificam os que praticam crimes. Assim, não é a discursividade formal normativa do Direito Penal que tem o poder total de criar e produzir os termos adjetivos daqueles que cometem crimes hediondos, mas sim outros veículos ao seu modo. Está posta aí a ponte que estabelece a ligação entre estilos de vida e modos comportamentais (estes últimos não nascem do nada, mas do conjunto de possibilidade de socialização disponibilizados nos espaços de interações em que estão inseridos) e os estigmas criminalizadores atribuídos, por outrem, aos que praticam qualquer desvio.

Cabe ressaltar, porém, que a difusão dos estigmas e estereótipos é um movimento diferente da adesão voluntária aos modelos que surgem e são propagados. A adesão e o uso de adjetivos estigmatizadores são incorporados não somente aos discursos predominantes e corriqueiros das classes populares, mas também passam a fazer parte do vocabulário daquelas que os criaram. Esses discursos são difundidos como verbetes universais de enquadramento adjetivo, e as classes que são atingidas diretamente pelos malefícios e preconceitos muitas vezes aderem ao uso desses adjetivos em função dessa capacidade que os meios de controles e de difusão têm de transformar criações políticas em invenções mágicas, naturais, que surgem sem autores e sem intencionalidade. Temos, aí, movimentos de adesão distintos: de um lado estão os que podem difundir e aderir, caso lhe interesse; do outro, aqueles que só podem aderir, visto que estão submetidos ao poder-controle das Leis e dos mecanismos.

Um exemplo recente é o caso da professora universitária da PUC-RIO e também do reitor da UNIRIO que se envolveram, por via das redes sociais, num caso típico de estigmatização de um modelo-estilo supostamente característico das classes populares. O caso foi o de um passageiro que aguardava seu voo num aeroporto, vestido de forma espontânea, com bermuda e camiseta (numa temperatura  de 40 graus, é bom que se diga), e que teve sua foto publicada, pela referida professora, em sua rede de relações, em que a mesma insinuava que um aeroporto não era lugar para aquele tipo de gente (leia-se; portador daquele estigma, o de classe popular ou, como nas palavras do reitor da UNIRIO, um estilo sem o glamour que os daquele meio supostamente são portadores). Isso revela, claramente, como se dá, no cotidiano, a propagação dos estigmas.

Retomando o debate, o Direito Penal e a Reforma de 1990 não definiu claramente, como devem ser as normas penais, ou os conceitos qualificadores, para os agentes que praticam as ações enquadradas no Crimes Hediondos. Portanto, a definição dos agentes tornou-se uma questão política e de luta (resistências) de classes.

Para muitos estudiosos do campo do Direito Penal e importantes juristas, duas garantias, a taxatividade e a legalidade, foram extintas ou caducaram, com a Reforma de 1990. A concepção técnica dos legisladores, à época, para definir os elementos conceituais dos Crimes Hediondos (tráfico, tortura) não incluiu o homicídio simples, por exemplo. O homicídio é a pedra angular que fez nascer o Direito Penal. Não poderia ser desconsiderado, ou mesmo esquecido, na primeira formulação de Lei dos Crimes Hediondos de 1990.

Segundo Rogério Greco:

 

De todas as infrações penais, o homicídio é aquele que, efetivamente, desperta mais interesse. O homicídio reúne uma mistura de sentimentos – ódio, rancor, inveja, paixão etc. – que o torna um crime especial, diferentemente dos demais. Normalmente, quando não estamos diante de criminosos profissionais, o homicida é autor do único crime do qual, normalmente, se arrepende.  (GRECO, 2012: p.130)

 

            Portanto, creio que podemos sugerir que tal desconsideração com o homicídio demonstra o quanto a elaboração, a expansão e a consolidação da nossa legislação está refém das grandes empresas de mídia, dos seus apelos e da capacidade de impor diretrizes normativas, legisladoras, fazendo pressão e conduzindo a opinião pública a pressionar o juiz togado, quiçá o Júri Popular. Ficou muito evidente (e quem vivenciou esse período deve lembrar bem disso) que a expansão dos elementos que caracterizam os crimes hediondos teve uma forte influência da empresa Rede Globo de televisão, visto que concomitante ao período de elaboração e fixação da Lei 8.072/90, aconteceu um crime que chocou a opinião pública, envolvendo a filha da escritora e novelista, Glória Perez, a jovem Daniela Perez. É inegável a influência deste episódio que conseguiu transformar um crime passional, bárbaro, não resta dúvida, em crime hediondo. Isso demonstra o quanto o nosso Direito Penal é subsidiário da pressão e dos apelos midiáticos que com seus aparelhos ampliam exponencialmente o tamanho do fato impondo a lógica do medo e do terror, sem dar margens para as garantias de defesa e de direito de todos os Réus, condenados a priori.

Cabe ainda uma última questão. Como o “Favor Rei” ou “Favor Libertatis” (modo de interpretar a Lei de forma mais favorável ao Réu) pode ser aplicado, de acordo com o seu pressuposto doutrinário, diante dessa pressão? Ou, como aplicar o princípio da “Verdade Real” diante de tal exposição? O juiz, segundo esse preceito jurídico, não pode se contentar com a verdade formal, aquela trazida pelas partes. O juiz criminal deve, de ofício, buscar elementos comprobatórios que o leve a dirimir quaisquer dúvidas. Em que medida essa busca não é contaminada pela capacidade criativa das empresas midiáticas de construir provas e de publicizar, com isso, possíveis decisões judiciais leigas?

Embora ciente de que parte da doutrina condena o Art. 156, Inc. I, considerando-o inconstitucional e, com isso, condenam a decisão de um juiz de buscar provas para além das apresentadas formalmente pelas partes, antes mesmo de ser provocado pelo ministério Público, é sensato considerar também que, na condição de ser humano, o juiz, exposto a uma forte pressão da mídia e às suas provas apresentas à opinião pública (antes de qualquer M.P.), tem a sua imparcialidade, digo, sua subjetividade, completamente permeada pelas informações-denúncias-“provas” ideologicamente e politicamente impostas. Ou seja, trazendo o núcleo duro da questão aqui colocada. Como aplicar de forma justa o princípio: em dúvida, decide pró-Réu, se este, hoje, já está condenado a priori?

 

REBATIMENTOS E ATRAVESSAMENTOS

 

Pelo que foi apresentado até aqui, é possível sugerir que as crianças das classes populares já chegam na escola pública marcadas, a priori, sob os estigmas de uma “marginalidade” (tanto no sentido de estarem à margem da sociedade formal quanto no sentido de estarem também à margem da sociedade legal). Estamos falando de crianças que, em sua maioria, são moradoras de favelas[5] e, portanto, vistas por muitos professores/professoras e por agentes educacionais (e isso é frequentemente constatado em nossas pesquisas), em função apenas de seus comportamentos peraltas, ou até mesmo violentos, como criminosos em potencial. Em alguns casos até mesmo como criminosos em miniaturas.

Diante de tais constatações, vem a questão: quais os processos, sejam eles de sociabilidades ou de discursividades incorporadas, que impactam o cotidiano escolar e que permitem originar e/ou reforçar esse imaginário social, acerca das crianças-estudantes das classes populares? Outra questão igualmente pertinente é: em que medida o Direito Penal teria alguma relação com esse imaginário, propagado nos contextos escolares através dos discursos de professores e professoras e outros agentes da escola, já que os discursos do Direito Penal têm um contexto específico de difusão e de uso conceitual e prático, que se dá predominantemente na esfera do Direito propriamente dito?

Essas crianças já estão, ao nascer, inscritas subjetivamente como infratores, em função da própria condição existencial já que, enquanto moradores de favelas, moram em terrenos sem documentação de propriedade, em espaços abandonados pelo poder público, onde o “Estado de Direito” só chega com uso desmedido da força ainda que sob o discurso de “pacificação”. Discurso este que perde totalmente a credibilidade e reforça ainda mais a histórica desconfiança das classes populares na ação do Estado infringente de Direitos: “Cadê o Amarildo?”

É bom ressaltar, aqui, que a definição conceitual de Estado de Direito é complexa e demanda uma longa discussão política e filosófica, que extrapolaria os limites deste trabalho. Porém, mesmo ciente de que o sentido predominante do conceito tem uma forte marca da colonialidade eurocêntrica, não me furto de apresentar uma concepção que, a meu ver, é a mais plausível, no momento, para fundamentar o sentido aqui exposto. Portanto, justifica-se a citação da concepção defendida por Danilo Zolo.

 

Nos países ocidentais, os direitos subjetivos podem ser defendidos e promovidos não só dentro do ordenamento do Estado de Direito, mas também fora do seu âmbito formalizado, com instrumentos políticos, informáticos, culturais, educativos, econômicos.  (...) Os direitos são (preciosíssimas) próteses sociais que permitem reivindicar com maior possibilidade de sucesso, e sem recorrer novamente ao uso da força, a satisfação de interesses e de expectativas socialmente compartilhadas. Mesmo a limitação do poder arbitrário e a proteção institucional dos direitos subjetivos – os dois serviços específicos do estado de Direito – são o resultado histórico de “lutas pela defesa de novas liberdades contra antigos poderes”: são a outra face do conflito social, estão e caem com ele. (ZOLO, 2006, p. 93-94).

 

 

Outra questão importante, diz respeito à sociabilidade dos estudantes. Constantemente são postos na pauta dos conselhos de classes escolares problemas de ordem comportamentais que indicam o que poderíamos denominar de ambivalência existencial (necessária à sobrevivência das classes populares), que se consubstancializam no debate sobre convivência e/ou conivência com os bandidos, ou com um tipo de sociabilidade violenta. Dividir um território, como o de muitas favelas, que, muitas vezes, estão submetidas ao controle de traficantes, milícias ou mesmo policiais da UPP, cuja regra geral é o uso desmedido da força, não é tarefa fácil ou simples. Requer o desenvolvimento de um tipo de inteligência-malícia-astúcia que não cabe nos padrões cognitivos almejados pela escola. Há outras questões, como a corrupção tantas vezes publicizada pela mídia jornalística, que contribui para uma vida de silêncios forçados aprendido/apreendido desde a idade mais tenra (é o famoso ver, ouvir e calar). Isso é suficiente para a estigmatização dessas crianças-estudantes? Ou seja, o fato de nascer em famílias pobres que compram naturalmente mercadorias sem o devido registro ou legalização (ainda que entre tais produtos esteja o pão de cada dia, comprado nas padarias dos becos), que participam de um capitalismo informal porém de forte impacto na cultura econômica do país (vide o turismo nas favela, hoje), reforça o imaginário dos/das professoras que lidam diretamente com essas crianças nas escolas públicas?

Pudemos verificar com a pesquisa que o Estado, que deveria ser de Direito, na verdade é um provedor do processo de manutenção da desigualdade pedagógica visto que não cumpre o dever de ensinar, na escola, o que é o fundamento da existência institucional dela mesma, como, por exemplo, ensinar a ler e a escrever. Ou seja, chegamos ao século XXI e a educação brasileira ainda convive com graves problemas que a desafiam. A aprendizagem das classes populares, por exemplo, é, entre muitos outros, um desses problemas. Muitas foram (e são) as tentativas que visam a resolvê-lo. Várias instâncias vêm, historicamente, comprometendo-se com essa temática. Projetos e propostas educacionais, teóricas e pedagógicas têm ocupado os debates em nossas universidades com o intuito de compreender melhor o que acontece nos cotidianos das escolas públicas desse enorme e complexo país. A atual realidade mostra também que vários elementos oriundos dos conflitos sociais e das relações citadinas confluem para ampliar a complexidade dessa temática, dentre as quais se destaca a violência urbana.

O objetivo deste trabalho foi investigar-analisar em que medida há rebatimentos dos discursos normativos do Direito/Processo Penal nas escola pública que atende predominantemente estudantes oriundos das classes populares. A ideia foi a de identificar e problematizar os indícios de criminalização dos comportamentos e das sociabilidades expostas pelos estudantes de origem já mencionada acima,

A metodologia priorizou a pesquisa de Campo, a análise documental e as entrevistas-conversas, muitas delas filmadas, com professores e estudantes de uma escola pública situada no município de Niterói.

Os resultados apontam para uma forte influência, nos discursos pedagógicos, dos argumentos acusatórios, cuja fundamentação ancora-se predominantemente nas jurisprudências no Campo do Direito Penal, difundidos no cotidiano escolar – em reuniões de conselhos de classes ou nos momentos informais – que justificam os fracassos escolares das crianças que não aprendem-apreendem o que deveriam aprender-apreender nesse contexto.

Vejamos o que constata Ratto com sua pesquisa acerca dos “Livros de ocorrências” das escolas:

 

Muito dessa lógica judiciária pode ser encontrada nos livros de ocorrências, cujo próprio nome remete a uma associação imediata aos corriqueiros boletins de ocorrência das delegacias de polícia. Tal qual foi mostrado no conjunto das ocorrências citadas até aqui, seus registros são geralmente estruturados em torno de três partes centrais, não necessariamente naquela ordem. Apresentam os dados de identificação dos alunos(as), ou seja, dos acusados(as); narram a situação ocorrida, essa espécie de crime cometido, muitos vezes registrando os indícios ou provas que o atestariam (marcas físicas das agressões, testemunhos, confissões, acareações, dentre outros); e explicitam as consequências, uma espécie de veredito final com a decorrente “pena”, seja na forma de tudo o que já foi feito para resolver o problema, como parte das justificativas para as providências tomadas, ou como prova dos esforços da escola para o encaminhamento de soluções, seja na forma de uma ameaça do que futuramente será feito, em caso de reincidência, seja ainda na forma da providência presente, isto é, da medida que a escola efetivamente toma, diante da situação narrada. (RATTO, 2007:  91) 

 

 

A relevância desse estudo não somente está na compreensão dos enredamentos dos discursos acusatórios e da lógica judiciária, no cotidiano escolar, como também permite um intenso diálogo com os resultados das nossas pesquisas, principalmente porque ajuda a pensar na criação e no fortalecimento de novas alternativas metodológicas, para o ensino-aprendizagem, no Ensino Fundamental público. Visando ao combate do chamado fracasso escolar, nos espaços onde estão alocados predominantemente os estudantes das classes populares, criamos também uma tentativa para tentar descontruir essa lógica acusatória que, ao não saber lidar com questões comportamentais, cuja matriz está nas sociabilidades de classe, opta por segregar os praticantes.

Fica claro que as classes populares, oriundas dos locais mais precarizados, principalmente no que diz respeito aos instrumentos e dispositivos citadinos (de urbanidade e socioculturais) são preteridas nas opções de quem deveria disponibilizar tais recursos, o Estado, tal como é disponibilizado para os bairros de população mais abastada. Os preteridos, diante da situação em que se encontram, constróem estratégias de sobrevivências, mesmo estando submetidos a grupos armados que impõem ordens de sociabilidades violentas, riquíssimas. Quem sabe, a partir dessas pistas, não possamos construir uma educação pública mais eficaz e, consequentemente, uma justiça social mais democrática. Nesse sentido, cabe a proposição de Boaventura Santos:

 

Estou convencido de que, para a concretização do projeto político-jurídico de refundação democrática da justiça, é necessário mudar completamente o ensino e a formação de todos os operadores de direito: funcionários, membros do ministério público, defensores públicos, juízes e advogados. É necessário uma revolução. Em relação aos profissionais, distingue-se entre a formação inicial e a formação permanente. Ao contrário do que sempre se pensou, a formação permanente é hoje considerada mais importante. Dou-vos um exemplo. Na Alemanha, não há nenhuma inovação legislativa sem que os juízes sejam submetidos a cursos de formação para poderem aplicar a nova lei. O pressupôs é que, se não houver uma formação específica, a lei obviamente não será bem aplicada. Temos que formar os profissionais para a complexidade, para os novos desafios, para os novos riscos. As novas gerações vão viver numa sociedade que, como eu dizia, combina uma aspiração democrática muito forte com uma consciência da desigualdade social bastante sólida. E, mais do que isso, uma consciência complexa, feita de dupla aspiração de igualdade e de respeito da diferença. (SANTOS, 2011: 82)

 

Reafirmo, aqui, que a luta contra a estigmatização e a criminalização dos estudantes das classes populares é uma luta política contra hegemônica. Luta contra os que causam a condenação dos seus “estilos” de vida, dos seus comportamentos, fora dos padrões impostos – cabe lembrar que tais comportamentos não “brotam” do vazio, mas da própria condição circunstancial de existência, do meio societário que lhe está disponível.

Temos, ainda, a condenação dos conhecimentos que emergem da luta de classe calcadas nas resistências e nos contra-ataques das experiências cotidianas, que se mostram nos seus corpos marcados pelas cicatrizes de todos os tipos de injustiças da sociedade em que vivem.  Para corroborar com essa discussão, embora longa a citação, porém de suma importância para a fundamentação do debate aqui exposto, trago Alessandro Baratta, visto que ele vai ao âmago da questão quando diz:

 

Enquanto a classe dominante está interessada na contenção do desvio em limites que não prejudique a funcionalidade do sistema econômico-social e os próprios interesses e, por consequência, na manutenção da própria hegemonia no processo seletivo de definição e perseguição da criminalidade, as classes subalternas, ao contrário, estão interessadas em uma luta radical contra os comportamentos socialmente negativos, isto é, na superação das condições próprias do sistema socioeconômico capitalista, as quais a própria sociologia liberal não raramente tem reportado os fenômenos da “criminalidade”. Elas estão interessadas, ao mesmo tempo, em um decidido deslocamento da atual política criminal, em relação a importantes zonas de nocividade social ainda amplamente deixadas imunes do processo de criminalização e de efetiva penalização (pense-se na criminalidade econômica, na poluição ambiental, na criminalidade política dos detentores do poder, na máfia etc.), mas socialmente muito mais danosa, em muitos casos, do que o desvio criminalizado e perseguido. Realmente, as classes subalternas são aquelas selecionadas negativamente pelos mecanismos de criminalização.  As estatísticas indicam que nos países de capitalismo avançado, a grande maioria da população carcerária é de extração proletária, em particular dos setores do subproletariado e, portanto, das zonas sociais já socialmente marginalizadas como exército de reserva do sistema de produção capitalista. Por outro lado, a mesma estatística mostra que mais de 80% dos delitos perseguidos nestes países são delitos contra a propriedade. Estes delitos constituem reações individuais e não políticas às contradições típicas do sistema de distribuição da riqueza e das gratificações sociais próprias da sociedade capitalista: é natural que as classes mais desfavorecidas desse sistema de distribuição estejam mais particularmente expostas a esta forma de desvio. (BARATTA, 2011: 197-198)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ficou claro que, concomitante ao enriquecimento dos recursos tecnológicos nas escolas públicas, é crucial, para que alcancemos uma sociedade mais justa e democrática, uma luta política. Quem sabe, assim, não chegaremos mais próximo da promessa fundante da modernidade cientificista de alcançarmos um tal progresso, que seja viável, dialogado, para que todos que habitam esse enorme e complexo país possam ter seus Direitos garantidos e, com isso, um Brasil mais igualitário e com justiça social.

É fato concreto que a disponibilização de ferramentas tais como os recursos audiovisuais, possibilita uma autoafirmação dos sujeitos – estudantes e professores -, pois materializa a possibilidade de, como cidadãos submetidos a diversas formas de opressão, tornarem-se capazes de denunciar sua condição existencial e, no caso dos professores, profissional. Além disso, oportuniza a criação de laços fraternos e/ou encontros com a alteridade, estudantes-professores, de classes sociais distintas. Alteridade esta potencializada por um sentido pluralizado de tolerância ao outro como legítimo outro na relação (MATURANA, 1999). Alteridade não apenas no sentido de se perceber no outro, estudante ou professor, enquanto indivíduos diferentes uns dos outros, mas de permitir que nos vejamos, enquanto humanidade comum, no outro, no diferente. E não tratá-lo como desigual em função das diferenças.

Quem sabe aí não está chave que abre a possibilidade de enxergar nas crianças a potência de um mundo melhor - sobretudo naquelas cujos comportamentos não cabem nos modelos esperados pela escola burguesa (ou seja, as crianças das classes populares, que trazem consigo seus contextos, sua dramaticidade, suas condições existenciais). Em vez de criminosas em potenciais, enxergarmos artistas, poetas, políticos ou simplesmente cidadãos de direitos, num Estado de Direito legítimo e de fato. Quem sabe, também, não está aí a possibilidade concreta de cumprimento de, pelo menos, três dos princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – (Lei n. 9.394, de 20-12-1996).

Art. 3°

            I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

            II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

            III – pluralismos de ideias e de concepções pedagógicas;

 

BIBLIOGRAFIA CITADA

 

1 - MIGNOLO, W. D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales - CLACSO, 2005, pp. 71-103. 

2 -   QUIJANO, A.. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales - CLACSO, 2005, pp.227-278.

3 - SANTOS, J. C. Direito Penal – Parte Geral. 4.ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010.

4 - GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial. Volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 9 ed. Niterói/ RJ: Impetrus, 2012.  

5 - ZOLO, D. Teoria e crítica do Estado de Direito. In. COSTA, P. & ZOLO, D. (org) O Estado de Direito: história, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

6 - RATTO, A. L. S. Livros de ocorrência: (in)disciplina, normalização e subjetivação. São Paulo: Cortez, 2007.

7 - SANTOS, B. S. Para uma revolução democrática da justiça. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

8 - BARATTA, A. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2011. 

9 - MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

10 - EDUCAÇÃO. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e legislação complementar – Lei n. 9.394/96 . Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspede e Juliana Nicoletti -. São Paulo: Saraiva, 2013.

 



[1] Acerca da expressão “classes populares”, nossos estudos e pesquisas têm apontado para uma polissemia no que tange à definição conceitual em si. Existem, consagrados nos discursos sociológicos, nas teorias economicistas e no próprio campo do Direito Penal, alguns ancoradouros que margeiam os limites das definições de classes populares. Essas definições operam tanto com elementos concretos, tais como condições econômicas, tipos de moradias, informalidades e/ou ilegalidades da organização dos espaços de habitação e suas instalações/equipamentos estatais, quanto com discursos românticos e/ou folclóricos que remetem a imaginários de poetas, músicos populares, além daqueles estigmatizantes e preconceituosos, que trazem a ideia de bandidos perigosos, ameaça ao Estado, famílias desestruturadas, entre outros termos. A nós, fica evidente que a pluralização do conceito faz-se necessária na medida em que constatamos uma enorme heterogeneidade oriunda principalmente das origens regionais, culturais, étnicas dessas classes populares, que se configuram como resultantes das constantes interações, sejam para a própria sobrevivência aos processos de opressão, em que historicamente foram submetidas em nosso país, sejam para a resistência às injustiças sociais que se perpetuam no Brasil.
 
[2] É uma noção de cunho conceitual e metodológica que estamos desenvolvendo no Projeto, diferente da noção de roda de conversas, pois, aqui, os estudantes se agrupam livremente, em quantos grupos quiserem, sentados ou em pé, em qualquer canto da sala, e falam sobre quaisquer assuntos (as ideias trocadas). Não há, necessariamente, direcionamentos unilateral e nenhum ponto de partida fixo (seja ele do professor ou dos estudantes).
[3] Alguns dos autores aos quais me filiei teoricamente defendem uma distinção entre colonialismo e colonialidade, sendo o primeiro conceito entendido como o controle das formas de trabalho, dos recursos e dos produtos, fruto de uma especificidade histórica que foi a colonização. E o segundo, a colonialidade, como um processo que se estende para além do colonialismo, na medida em que cria modelos para um sistema-mundo eurocêntrico, hierarquizando as relações humanas a partir do conceito de raça, promovendo, com isso, as classificações que submetem as formas de estar no mundo daqueles que não se enquadram em tais modelos. Esses intelectuais defendem que fomos levados a cometer equívocos na compreensão política e histórica do sistema-mundo em que vivemos. Esses processo de colonialidade do poder e do saber nos condicionou, durante muito tempo, a enxergar a nossa história e as nossas questões sob as lentes do eurocentrismo. A base da colonialidade e do eurocentrismo é o uso da força como elemento fundamental para garantir os processos de subalternização. 
 
[4] É bom frisar que tal prerrogativa, a de criar os adjetivos e propagá-los, não é para quem quer, mas para quem pode, ou seja, aqueles que, munidos dos veículos de difusão de ideias e ideologias, expandem seus adjetivos ao bel-prazer.
[5] Termo este que, enquanto conceito sociológico e do próprio IBGE, remete à ideia de localidades irregulares e subnormal de habitação, como também, no que tange às referências do Direito Penal, a um lócus de criminalidades onde todos e todas estão submetidos a suspeição, inclusive, com decisões recorrentes de juízes que inscrevem liminares de efeito coletivo, inconstitucional, diga-se de passagem, para que policiais tenham o salvo conduto de invadir qualquer residência destas localidades, a qualquer hora e dia.