Rafael
Caetano
Mestrando/ bolsista da CAPES em filosofia da PUC-Rio
O
presente texto é fruto de um trabalho mais amplo que, aqui, apresento apenas alguns
aforismos. Ele é também um modo de fazer filhos por trás em dois pensadores:
Nietzsche em seu Ecce Homoonde ele
pensa a relação entre fisiologia e escrita; e Walter Benjamin e suas Passagens onde ele pensa a relação entre
arquitetura e escrita, bem como a possibilidade de construir um método
histórico baseado numa escrita por imagens. Vale notar, ainda, como Benjamin
funda as condições e possibilidades para uma escrita fragmentária sobre a
história do ponto de vista dos vencidos que negue conceitos que são amarras
para qualquer mudança de perspectiva como: progresso, fim da história e
linearidade. Dito isso, espero ter
deixado claro que o texto que segue será todo ele fragmentário e lançará mão de
uma escrita por imagens afim de desviar da escrita técnica e instrumental à que
o pensamento se encontra atrelado em nossas produções acadêmicas atuais. Com
isso espero poder contribuir, diminutamente, para o idioma português alcançar
aquele nível de experimentação e experiência com o fracasso em suas tentativas
de pensar.
§ Casa, corpo e pensamento. A pergunta
que atravessa todo esse texto é: como uma arquitetura influência na vida mental
de um povo? A vida mental, aqui, entendida como o nó de oito, tal qual os dos
pescadores, inseparáveldo corpo. Portando nossas questões são colocadas no
interesse sobre o que se come, onde se mora, o que se escuta, o que se veste, o
que se ver e todos esses nanos que
deixamos de lado. Nosso interesse aqui é pelos miúdos fisiológicos.
§ Um samba. A letra do samba de Monarco
diz: “ Feliz eu vivo no morro morando em meu barracão”, as habitações com ares
do provisório (devido ao material de uma precariedade) vão sendo trocadas por
casas de alvenaria (material de maior durabilidade). O sentimento do provisório
cede terreno para o sentimento da permanência.
§ Questão do espaço privado ao soltar pipas.
Um menino pula da sua laje para a outra laje (a do vizinho) atrás de uma pipa
avoada. Ao passo que para o burguês a
invasão de espaços privados é crime contra o seu interieur, na prática da cotidianidade mediana numa favela essas
linhas imaginárias entre o meu e o teu sãopara o menino- que pula de uma laje
para a outra- flexíveis. Tão confusas ou próximas como as construções. Quem
saberia distinguir num beco onde começa uma casa e termina outra?
§ O barulho adormecido. “A falsa paz
aparece, um barulho adormece” (Joílson Pinheiro in É poesia? Pg87) O sono
poderá parecer com aquele estado de vigília? Dome-se, nas noites de sábado, ao
som dos mais diversos alto falantes acorda-se nas manhãs de domingo com altos
louvores. Nada mais imperativo e tirânico do que o barulho. Se não quero ver
fecho os olhos, mas não há como fugir aos sons que penetram até mesmo na pele.
É como se o ouvido- esse órgão passivo- estivesse sempre trabalhando e assim um
barulho dorme na favela.
§ Juízo de gostosobre um barraco e política.
“ Nos anos 1950 as casas eram de madeira, mas eram bonitas” e “ hoje conto com
orgulho que era de pau a pique, mas era bonita” (contos da Rocinha pg33). Tal
juízo de gosto afronta e apronta uma contraposição ao gosto predominante pelo
vidro e pelo metal. A solidez e polidez do metal e do vidro contra o improviso
e flexibilidade do pau a pique. A política que busca manter as coisas como
estão, como se fossem solidificadas por uma polidez dos costumes ou a
flexibilidade dos costumes ea improvisação política?
§ A favela: o antigo sonho do labirinto.Somente
aqueles que já se perderam entre becos e vielas de uma favela desconhecida
saberão o que é um labirinto contemporâneo. Mas tal labirinto, diferentemente
do medieval que era uma explosão semântica ou dos labirintos de Borges que são
teias de referências literárias, é o ocaso arquitetônico do acaso. Ali o sonho
do homem em que a mente organiza o espaço torna-se o inverso; o espaço, da
favela com suas singularidades poderia propor uma (des) organização da vida
mental que seja outra que não a técnica instrumental?
§ Um epitáfio para a experiência. Aqui
jaz a experiência substituída pela vivência- essa nossa invenção moderna- que
tomara o lugar da palavra fundadora do conselho e da experiência. “ Thais
decidida, diz que a maioria das suas opiniões foram formada pelo que viveu e
não pelo que lhe disseram”(Contos da Rocinha pg 73). O vivido possui mais
crédito nesse mercado da vida do que as palavras faladas pelo outro.
§ O Improviso urbanístico, um improviso
político? O melhor político não é
aquele que no espaço público fala melhor sobre suas ideias como outrora
Isócrates na Atenas da antiguidade ou Cícero em Roma. Mas sim é melhor aquele
que faz os gestos mais aprazíveis, e que de preferência sejam espontâneos. “
Essa coisa do espontaneismo é o que importa... ele torna uma liderança muito forte.
” (Escola-favela, favela-escola pg119)
§ Madeiramento da vida. O improviso da
casa é o improviso da vida que se instala.
§ Não colonizaremos a vida. O projeto
inacabado das casas sempre prontas a receberem novos acréscimos como
inacabamentos da vida.
§Gesto e labirinto. Quando estiver perdido
num labirinto, sem bússola, mapas e GPS lembre-se que, ali, qualquer gesto que
fizer é improviso da vida.
* Rafael
Caetano é mestrando/ bolsista da CAPES em filosofia da PUC-Rio.