Mestrando em Serviço Social UFRJ
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE
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Na madrugada do
dia 31 de outubro, estivemos junto ao Movimento de Trabalhadores Sem Teto
ajudando na ocupação de um terreno em São Gonçalo.
Essa nova
ocupação não pode, de forma nenhuma, ser analisada descolada do legado da
Favela da Telerj (Lembre
aqui o caso). A
situação imobiliária no Estado do Rio de Janeiro vem tomando proporções
incontroláveis, refletidas nas concretas expressões sentidas por todos os
trabalhadores assalariados desse estado: o aumento dos alugueis, a segregação
sócio-espacial, a gentrificação, o distanciamento dos pobres dos centros
urbanos que concentram os empregos. A favela da Telerj teve uma peculiaridade
histórica, dezenas de famílias sem nenhuma ligação ao movimento social ocuparam
uma área de forma autônoma, certamente motivados pela indignação, pela falta de
acesso à cidade, e, sobre tudo, pela falta de moradia e pelos altos preços dos
alugueis na cidade. O legado da favela da Telerj foi uma provocação aos
movimentos sociais urbanos ligados à questão da moradia no Estado do
Rio de Janeiro, colocando como tema central a necessidade de capilarizar os
setores sociais revoltados com os preços cada vez mais altos para se
habitar na cidade.
Após alguns
meses da ocupação do terreno da Telerj, o MTST retoma suas atividades no Rio
através da ocupação em São Gonçalo. O município de São Gonçalo caracteriza-se
por um enorme contingente populacional (mais de um milhão de habitantes),
crescimento desordenado, precariedade dos serviços de educação, mobilidade
urbana e saúde. Em um processo gradual, o município vem sofrendo com o aumento
da especulação imobiliária nos bairros centrais, crescimento da violência,
aumento do tráfico de drogas, falta de saneamento básico. O crescimento urbano
desordenado tem rapidamente transformado as áreas de característica rurais, que
se desenvolvem sem infraestrutura, e, com a ausência do Estado, temos o
crescimento do poder paralelo. O atual cenário em São Gonçalo obriga inúmeros
trabalhadores a alugarem imóveis precários, insalubres, em áreas de risco,
dominadas pelo tráfico e em constante guerra com a polícia.
Situado a margem
da BR, o município tem posição privilegiada para o deslocamento tanto para o
Rio, quanto para Itaboraí. A ocupação Zumbi dos Palmares situa-se próxima
a BR, local estratégico para a mobilidade urbana dos trabalhadores. Cerca de
200 famílias foram cadastradas pelo MTST, famílias oriundas de comunidades
dominadas pelo tráfico em constante guerra entre facções e a polícia, familias
que são cotidianamente submetidas a violações do direitos de ir e vir, vivem em
moradias precárias, em áreas de risco, pagam aluguéis, ganham baixos salários.
Já na madrugada
do dia 31 algumas famílias chegavam ao local, os olhos brilhavam de esperança
ao ver aquele terreno, o coração pulsava de emoção, a consciência só conseguia
sonhar com a possibilidade de um lugar para viver. Uma das falas que me marcará
por toda vida, foi de uma senhora de uns 70 anos que dizia: “por mim eu já
dormiria aqui hoje”, “vocês são minha família”. Naquele momento eu tive a
dimensão do sonho de ter uma casa e da responsabilidade social que tinha com
essa luta. Naquele momento eu percebi que aquela senhora reconhecia aquelas
pessoas que ali estavam como uma nova família, pois embora muitos ali tivessem
casa, estavam contribuindo para a realização de seu sonho. Para nós que nos
envolvemos com as lutas por justiça social o sonho da casa própria é um
direito, e, por tanto, um sonho que se sonha coletivamente.
Após 2 anos
muito próximo as lideranças de São Gonçalo, é impossível não se envolver com a luta
dessa população. Muitos dizem que São Gonçalo é terra sem lei… isso é MENTIRA!
São Gonçalo é terra de luta, é terra de mulheres e homens guerreiros(as), é
terra de Janetes, Emilias, Roses, Marias, Edmilsons, que estão lá na comunidade
sem recurso e tocando uma luta para uma São Gonçalo mais justa e igualitária.
São Gonçalo mexeu com meus sonhos, um lugar que aprendi a amar através de
tantas pessoas guerreiras, lutadoras, cheias de garra que não fogem da luta e
enfrentam o leão.
Na madrugada do
dia 1º, uma invasão criminosa ateou fogo nos barracos, ainda temos pouca
informação e pelo que sabemos as pessoas estão bem e reocupando o espaço. O ato
de tacar fogo é simbólico, na verdade quando se queimam os barracos a tentativa
é de queimar os sonhos, mas, lamentamos informar, disso vocês não serão
capazes.
Dia 1º de
novembro São Gonçalo acordou com a possibilidade de realização de sonhos
antigos. Dia 1º de novembro São Gonçalo acordou com a possibilidade de avançar
na construção de uma sociedade menos desigual.
Enquanto não
tiver moradia vai ter luta sim! E o que me tranqüiliza é saber que o Gonçalense
é povo de luta!
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