sexta-feira, 3 de junho de 2016

Novo artigo do Alfavela


MARCO CIVIL DA INTERNET E AS LUTAS SOCIAIS
- Emancipação e Regulação em disputa -

Rodrigo Torquato da Silva


O presente texto visa a apresentar brevíssimos comentários analíticos acerca do Marco Civil da Internet. Cabe frisar de antemão o posicionamento do autor que aqui disserta, no sentido de assumir-se, desde já, a parcialidade com relação aos avanços que tal legislação representa no rol dos institutos que integram o ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, faz-se necessário destacar que os avanços acima ressaltados não gozam da devida segurança jurídica, já que recorrentemente temos notícias de tensionamentos políticos que visam a alterar o tão recente sancionado Instituto.

No calor da conjuntura política atualíssima –referência aqui ao afastamento controverso da presidente Dilma Rousseff – pudemos observar a consubstanciação dos tensionamentos mencionados. Por um lado, pelo menos desde 2015, os opositores pró impeachment denunciavam um suposto acordo entre a presidente Dilma e o megaempresário das redes sociais, o jovem investidor Zuckerberg,a partir do qual tratavam de um projeto de expansão da Internet para todo o Brasil, assumindo o megaempresário os custos e riscos.Porém, a contrapartida seria o monopólio do provedor, o Facebook.

Por outro lado, no apagar das luzes do governo Dilma, o presidente interino, Michel Temer, propunha uma revisão no Marco Civil da Internet na qual beneficiaria as grandes empresas das Telecomunicações, dando a elas a possibilidade de restringir e controlar os acessos dos usuários. Em ambas as situações o que está em jogo é o princípio fundamental que opera como pedra angular do Marco Civil, qual seja: o Princípio da NEUTRALIDADE. 

Segundo Tim Berners-Lee, criador da WEB (1989), a finalidade primordial da sua criação foi possibilitar uma rede de comunicabilidade na qual os indivíduos pudessem trocar informações de forma livre. Ele era engenheiro, professore pesquisador, e atuava no campo acadêmico na formação de jovens profissionais para atuar num mundo complexo. Para dar conta da dificuldade de sua comunicação com os estudantes, Tim Berners-Lee se apropriou de uma tecnologia de rede de comunicação interna, que já funcionava em empresas e universidades.Vendo aí uma potência, acreditou que seria possível transformar o que era secundário (uma rede interna de comunicação num centro de pesquisa) numa rede mundial de troca de informações. Para isso, ele aplicou um princípio da universalidade ao que era apenas de uso privado. 

Em recente entrevista, o eminente professor assumiu que não fazia ideia do impacto da sua criação no funcionamento das relações entre indivíduos, no mundo. No entanto, ele defende que tudo isso só foi possível em função do Princípio da Neutralidade, ou seja, a web é um espaço de troca livre, em que os canais que fazem o transporte de dados, informações, comunicações (os provedores/”roteadores”) devem operar de forma neutra, sem controlar, conduzir, direcionar a vontade e os desejos dos usuários na comunicação entre si. Isso faz com que, por exemplo, a Netflix faça sucesso. Imaginemos, pois, que a Rede Globo tivesse o poder de impor para os provedores um limite de acesso e/ou velocidade para quem quisesse acessar a Netflix. Isso faria com que toda e qualquer concorrência para produção de filmes, séries etc, ficasse condicionado ao poder da empresa mais rica e não da liberdade do usuário de escolher o que ele quer assistir. Isso para não falar no YouTube, quiçá a Mídia Ninja e as TV’s comunitárias das favelas, tais como a TV Tagarela, da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro,que, nesse caso, nem existiriam.

O Princípio da Neutralidade, portanto, é hoje o elemento mais atacado por aqueles que não querem a liberdade de expressão e consequentemente o desenvolvimento de novas ideias, conhecimentos, concepções, seja no campo da Arte, da Ciência e, fundamentalmente, do Direito e da Política. O controle da web é o elemento de cobiça dos anacrônicos. A internet é um modelo de multiparticipação de indivíduos, empresas, governos, organizações sociais. Isso é muito diferente de tudo o que se havia vivido até hoje no nosso processo civilizatório. 

No entanto, temos problemas. Há um lado sombrio da web, que é o “calcanhar de Aquiles” ou até mesmo a brecha para os anacrônicos justificarem a censura e o controle-regulação da Rede. Temos questões como pornografia, pedofilia, espionagem, invasão de privacidade. Há o que é conhecido por muitos como DEEP WEB ou DARK WEB, isto é, um ambiente subterrâneo da rede onde atuam terroristas, pedófilos, e tudo o que há de mais degenerado do ponto de vista ético, moral, jurídico. Porém, não podemos transformar o que sempre existiu, seres humanos desprezíveis, em justificativa para acabar com uma das maiores invenções da humanidade. Podemos perguntar: a quem interessaria quebrar o Princípio da Neutralidade, transformando os roteadores da rede, que devem ser neutros, por serem apenas condutores, em vias com pedágios-pacotes de aplicativos que limitam a comunicabilidade entre os usuários? Certamente só interessaria às megaempresas de telecomunicações e megainvestidores, desumanizados do compromisso de construir um mundo melhor, mais livre, mais justo, mais transparente.

O Marco Civil da Internet no Brasil está na vanguarda mundial, no que diz respeito à regulamentação da internet, ou da web. Na atual conjuntura político-econômica em que vivemos, poucos são os motivos de orgulho de ser brasileiro, e entre aqueles que vale a pena elogiar está o nosso Marco Civil. E um motivo fundamental pra isso é o Princípio da Neutralidade, porque este nos permite acreditar na construção de decisões coletivas de fato livres e autênticas. Nossa luta nesse contexto tão conturbado é contra os anacrônicos e a favor desse lapso vanguardista com que fomos brindados no início dessa década.

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