segunda-feira, 15 de setembro de 2014

UNIVERSIDADE INDÍGENA ALDEIA MARACANÃ EXISTE E RESISTE


Francisco Bragança

Estudante da Universidade Indígena, intercultural e autônoma;
Integrante do Movimento de Resistência da Aldeia Maracanã (o Aldeia Rexiste) e do Grupo de Pesquisa ALFAVELA-UFF/CNPq ;
Técnico de som direto, documentarista, produtor cultural e jornalista;

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Caros leitores, quem vos escreve é um aluno da Universidade Indígena, intercultural e autônoma, e indigenista integrante do movimento de resistência da Aldeia Maracanã – o Aldeia Rexiste (assim mesmo, com a letra “x”).

A Aldeia Maracanã nasceu em 2006, a partir da ocupação do prédio do antigo Museu do Índio, sito à Rua Mata Machado, 123, no bairro do Maracanã (ao lado do estádio Mário Filho).


Histórico do prédio: do SPI à Aldeia Maracanã

A construção colonial - que recentemente esteve ameaçada de demolição por projetos ambiciosos - torna-se, em 1910, a sede do SPI (Serviço de Proteção aos Índios, atual Funai), sob o comando do Marechal Cândido Rondon. No ano de 1953, o espaço foi dividido para abrigar o primeiro Museu do Índio da América Latina, idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Em 1978, o prédio é desativado, e as instituições são transferidas para Botafogo. Posteriormente, ocorre a venda do imóvel, sob trâmites escusos, da União para o Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Após vinte e oito anos de abandono, indígenas que vieram estudar e trabalhar na capital fluminense, em sua maioria, descendentes de índios que trabalharam no SPI e no antigo museu, se reúnem e decidem ocupar o espaço ocioso, construindo ocas, uma cozinha coletiva, banheiros, além de uma programação cultural aberta à sociedade carioca.

Com a proximidade da Copa das Confederações e da licitação para a privatização do Complexo Esportivo do Maracanã, em novembro de 2012, o Governo do Estado do Rio de Janeiro entra com uma ação judicial de reintegração de posse do local. Contudo, como pleitear a reintegração de um prédio e um terreno que o Estado nunca usufruiu?

Até esse momento, as vinte e uma etnias que se encontravam ali defendiam como proposta a criação da primeira Universidade Indígena no Brasil, com protagonismo e gestão dos povos originários. O Poder Público Estadual, através de instituições que o representavam, como o Ministério Público e a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, entrou no espaço da Aldeia Maracanã para oferecer vantagens - como os pentes e espelhos dos colonizadores de 1500. Dentre elas, um abrigo provisório em Jacarepaguá, possíveis cargos políticos e a promessa de transformar o prédio num centro de referência das culturas indígenas, com administração da Fundação Darcy Ribeiro. Como consequência, houve o enfraquecimento da resistência, devido a rachas entre índios e apoiadores.


Remoções

No dia 22 de março de 2013, a Tropa de Choque da Polícia Militar armou o seu cerco. Primeiro, impediu o advogado indígena, Arão da Providência, de entrar na Aldeia Maracanã, constrangendo-o com violência. Depois, realizou a remoção, não poupando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e spray de pimenta, inclusive alvejando crianças, advogados e parlamentares de oposição ao então governo de Sérgio Cabral. Detenções e autuações foram efetuadas. Iniciou-se, em seguida, a profanação no terreno sagrado para os povos originários. Foram destruídas todas as ocas, a cozinha, o fogão à lenha, foram furtados eletrodomésticos, móveis, livros da biblioteca, pertences pessoais, instrumentos e acessórios para rituais. Mais ainda: boa parte do terreno foi concretada, eliminando árvores e plantações.

O dia 05 de agosto de 2013 marcou a ação direta de reocupação do prédio histórico por indígenas e apoiadores, que permaneceram na resistência, não se dobrando às ofertas do governo. Foi feito contato com a Secretaria de Estado de Cultura, que através de sua secretária, Adriana Rattes, promoveu audiências públicas, garantindo a permanência dos ocupantes no local. Todavia, essa garantia acabou, conforme se aproximava a Copa do Mundo, uma vez que o Consórcio Maracanã S.A. (formado pelo empresário Eike Batista, pelo grupo AEG e pela construtora Odebrecht) já vinha modificando o entorno do estádio, inclusive esvaziando para demolição o prédio do Lanagro, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, que ficava dentro do terreno do antigo museu. As investidas contra a resistência indígena continuaram. Em 16 de dezembro de 2013 ocorreu mais uma remoção, sempre pontuada pela violência governamental.


O que é a Universidade Indígena

Com os percalços da falta de uma sede, a UIAM (Universidade Indígena Aldeia Maracanã) passou a funcionar num formato itinerante em espaços públicos do município do Rio de Janeiro, sítios e fazendas da região metropolitana, campi universitários, sedes de entidades apoiadoras e ocupações espalhadas pela cidade.

Com a missão de difundir os saberes e conhecimentos ancestrais, proporcionando o resgate da ancestralidade indígena aos seus alunos, ela se afirma intercultural, posto que aceita pessoas de quaisquer origens, e autônoma, por ser autogerida e ter o protagonismo dos povos originários.

As aulas/vivências, que subvertem o esquema das aulas tradicionais, nas quais há um professor à frente de um quadro e alunos sentados em uma sala, implicam o compartilhamento de conhecimentos entre as partes, proporcionando, para além de um aprendizado baseado na prática, a inserção em um universo ritualístico e espiritualizado.

      As atividades regulares são: Cosmologia e Medicina da Floresta, Círculo Sagrado das Mulheres e Língua e Cultura Tupi. Em Cosmologia e Medicina, orientada por Ash Ashaninka (originário do Acre), são transmitidos conhecimentos para a manipulação de plantas com teores medicinais, tais como tsunu, yopo, pau ferro, aroeira, jurema, tabaco, dentre outras. Vivências envolvendo feitio de rapé e rituais com ayahuasca, típicos dos indígenas do norte do País, também acontecem nesta atividade. O Círculo Sagrado das Mulheres é mediado por Potyra Krikati, artesã oriunda do Maranhão, e reúne mulheres de variadas idades, origens e credos para debates acerca de temas relacionados ao universo feminino, sempre contendo explanações do cotidiano das indígenas aldeadas. A aula de Língua e Cultura Tupi é ministrada pelo professor Urutau Guajajara, também do Maranhão, mestre em linguística pela UFRJ, que ensina a língua mais falada nas aldeias brasileiras.

Se os leitores tiverem a curiosidade de conhecer, a vontade de participar e também a disponibilidade para colaborar (afinal, após duas remoções seguidas de furtos, a UIAM necessita se reestruturar e é carente de materiais e equipamentos), poderão acessar as páginas oficiais no Facebook  “Aldeia Rexiste” e “Resistência Aldeia Maracanã”, o grupo “Zé'egté - Curso de Tupi da Aldeia - Universidade Intercultural Indígena” e acompanhar todo o processo de construção da Universidade.

Aldeia Resiste! Ayaya.



Referências:


Acessado em13/08/2014.







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