Francisco
Bragança
Estudante da Universidade Indígena, intercultural e
autônoma;
Integrante do Movimento de Resistência da Aldeia
Maracanã (o Aldeia Rexiste) e do Grupo
de Pesquisa ALFAVELA-UFF/CNPq ;
Técnico de som direto, documentarista, produtor
cultural e jornalista;
Contato:
francomunicador@gmail.com
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Caros leitores, quem vos escreve é um aluno da
Universidade Indígena, intercultural e autônoma, e indigenista integrante do
movimento de resistência da Aldeia Maracanã – o Aldeia Rexiste (assim mesmo,
com a letra “x”).
A Aldeia Maracanã nasceu em 2006, a partir da ocupação
do prédio do antigo Museu do Índio, sito à Rua Mata Machado, 123, no bairro do Maracanã
(ao lado do estádio Mário Filho).
Histórico do
prédio: do SPI à Aldeia Maracanã
A construção colonial - que recentemente esteve
ameaçada de demolição por projetos ambiciosos - torna-se, em 1910, a sede do
SPI (Serviço de Proteção aos Índios, atual Funai), sob o comando do Marechal
Cândido Rondon. No ano de 1953, o espaço foi dividido para abrigar o primeiro
Museu do Índio da América Latina, idealizado pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Em
1978, o prédio é desativado, e as instituições são transferidas para Botafogo.
Posteriormente, ocorre a venda do imóvel, sob trâmites escusos, da União para o
Governo do Estado do Rio de Janeiro.
Após vinte e oito anos de abandono, indígenas que
vieram estudar e trabalhar na capital fluminense, em sua maioria, descendentes
de índios que trabalharam no SPI e no antigo museu, se reúnem e decidem ocupar
o espaço ocioso, construindo ocas, uma cozinha coletiva, banheiros, além de uma
programação cultural aberta à sociedade carioca.
Com a proximidade da Copa das Confederações e da
licitação para a privatização do Complexo Esportivo do Maracanã, em novembro de
2012, o Governo do Estado do Rio de Janeiro entra com uma ação judicial de
reintegração de posse do local. Contudo, como pleitear a reintegração de um prédio
e um terreno que o Estado nunca usufruiu?
Até esse momento, as vinte e uma etnias que se
encontravam ali defendiam como proposta a criação da primeira Universidade Indígena
no Brasil, com protagonismo e gestão dos povos originários. O Poder Público
Estadual, através de instituições que o representavam, como o Ministério Público
e a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos, entrou no espaço da Aldeia
Maracanã para oferecer vantagens - como os pentes e espelhos dos colonizadores
de 1500. Dentre elas, um abrigo provisório em Jacarepaguá, possíveis cargos políticos
e a promessa de transformar o prédio num centro de referência das culturas
indígenas, com administração da Fundação Darcy Ribeiro. Como consequência,
houve o enfraquecimento da resistência, devido a rachas entre índios e
apoiadores.
Remoções
No dia 22 de março de 2013, a Tropa de Choque da
Polícia Militar armou o seu cerco. Primeiro, impediu o advogado indígena, Arão
da Providência, de entrar na Aldeia Maracanã, constrangendo-o com violência. Depois,
realizou a remoção, não poupando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e
spray de pimenta, inclusive alvejando crianças, advogados e parlamentares de
oposição ao então governo de Sérgio Cabral. Detenções e autuações foram
efetuadas. Iniciou-se, em seguida, a profanação no terreno sagrado para os
povos originários. Foram destruídas todas as ocas, a cozinha, o fogão à lenha,
foram furtados eletrodomésticos, móveis, livros da biblioteca, pertences
pessoais, instrumentos e acessórios para rituais. Mais ainda: boa parte do
terreno foi concretada, eliminando árvores e plantações.
O dia 05 de agosto de 2013 marcou a ação direta de
reocupação do prédio histórico por indígenas e apoiadores, que permaneceram na resistência,
não se dobrando às ofertas do governo. Foi feito contato com a Secretaria de
Estado de Cultura, que através de sua secretária, Adriana Rattes, promoveu
audiências públicas, garantindo a permanência dos ocupantes no local. Todavia,
essa garantia acabou, conforme se aproximava a Copa do Mundo, uma vez que o Consórcio
Maracanã S.A. (formado pelo empresário Eike Batista, pelo grupo AEG e pela construtora
Odebrecht) já vinha modificando o entorno do estádio, inclusive esvaziando para
demolição o prédio do Lanagro, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura,
que ficava dentro do terreno do antigo museu. As investidas contra a
resistência indígena continuaram. Em 16 de dezembro de 2013 ocorreu mais uma
remoção, sempre pontuada pela violência governamental.
O que é a Universidade Indígena
Com os percalços da falta de uma sede, a UIAM
(Universidade Indígena Aldeia Maracanã) passou a funcionar num formato
itinerante em espaços públicos do município do Rio de Janeiro, sítios e
fazendas da região metropolitana, campi universitários, sedes de entidades
apoiadoras e ocupações espalhadas pela cidade.
Com a missão de difundir os saberes e conhecimentos
ancestrais, proporcionando o resgate da ancestralidade indígena aos seus alunos,
ela se afirma intercultural, posto que aceita pessoas de quaisquer origens, e
autônoma, por ser autogerida e ter o protagonismo dos povos originários.
As aulas/vivências, que subvertem o esquema das aulas
tradicionais, nas quais há um professor à frente de um quadro e alunos sentados
em uma sala, implicam o compartilhamento de conhecimentos entre as partes, proporcionando,
para além de um aprendizado baseado na prática, a inserção em um universo
ritualístico e espiritualizado.
As
atividades regulares são: Cosmologia e Medicina da Floresta, Círculo Sagrado
das Mulheres e Língua e Cultura Tupi. Em Cosmologia e Medicina, orientada por
Ash Ashaninka (originário do Acre), são transmitidos conhecimentos para a
manipulação de plantas com teores medicinais, tais como tsunu, yopo, pau ferro,
aroeira, jurema, tabaco, dentre outras. Vivências envolvendo feitio de rapé e
rituais com ayahuasca, típicos dos indígenas do norte do País, também acontecem
nesta atividade. O Círculo Sagrado das Mulheres é mediado por Potyra Krikati,
artesã oriunda do Maranhão, e reúne mulheres de variadas idades, origens e
credos para debates acerca de temas relacionados ao universo feminino, sempre
contendo explanações do cotidiano das indígenas aldeadas. A aula de Língua e
Cultura Tupi é ministrada pelo professor Urutau Guajajara, também do Maranhão,
mestre em linguística pela UFRJ, que ensina a língua mais falada nas aldeias
brasileiras.
Se os leitores tiverem a curiosidade de conhecer, a
vontade de participar e também a disponibilidade para colaborar (afinal, após
duas remoções seguidas de furtos, a UIAM necessita se reestruturar e é carente
de materiais e equipamentos), poderão acessar as páginas oficiais no Facebook “Aldeia Rexiste” e “Resistência
Aldeia Maracanã”, o grupo “Zé'egté - Curso de Tupi da Aldeia - Universidade
Intercultural Indígena” e acompanhar todo o processo de construção da Universidade.
Aldeia Resiste! Ayaya.
Referências:
http://merciogomes.blogspot.com.br/2012/07/decreto-que-cria-o-servico-de-protecao.html
. Acessado em13/08/2014.
Acessado em13/08/2014.
http://racismoambiental.net.br/2013/08/manifesto-do-movimento-universidade-aldeia-indigena-maraka-anana/.
Acessado em13/08/2014.
http://oglobo.globo.com/rio/grupo-de-indigenas-volta-ocupar-area-da-antiga-aldeia-maracana-9361820.
Acessado em13/08/2014.
http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=1569955.
Acessado em13/08/2014.
http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2013/08/consorcio-da-entender-que-seguira-na-gestao-do-complexo-do-maracana.html.
Acessado em13/08/2014.
http://oglobo.globo.com/rio/pm-detem-25-ativistas-da-aldeia-maracana-11078904.
Acessado em13/08/2014.
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